Guerras, Exílios e Vivências

Deslocados internos são expulsos de uma Universidade em Aksum.
TIGRÉ
Por Pedro Custodio
Entre novembro de 2020 e novembro de 2022 a região do Tigré viveu um conflito que, apesar de ter seu fim declarado pelas lideranças envolvidas, resultou em uma grave crise humanitária que perdura até hoje.
O estado do Tigré está localizado no norte da Etiópia que por sua vez fica na região do Chifre da África, região próxima da península arábica e, consequentemente, de rotas estratégicas para o acesso ao petróleo que atrai atenção questionável dos países do norte global - dado a relação histórica de exploração e promoção de conflitos por parte de países europeus e norte americano em países da região.
O país tem uma história que remonta a antiguidade, tem uma grande composição étnica diversificada formada por mais de 80 grupos étnicos, sendo os mais expressivos (segundo o censo populacional do país de 2007) os Oromo, que representam 35% da população, os Amara, 27%, os Somalis, 6,22%, e os Tigrínios, 6,08% – o site do Censo não encontra-se mais disponível online. A população etíope também é marcada pela grande presença de religiões abraâmicas, onde, ainda segundo o censo de 2007, pelo menos 62,8% da população se declara cristã e 33,9% se afirma muçulmana. Apesar dessa diversidade, o país é marcado por grandes tensões étnicas.
O Chifre da África foi atravessado por diversos conflitos internos ou entre países da mesma região e, no contexto da guerra fria, esses conflitos se tornaram palco para as disputas entre os EUA e a URSS. A Etiópia, nesse momento da história travava uma disputa territorial com a Eritreia que, até então, fazia parte do país, porém, com o fim do apoio Sovietico em 1991, grupos que lutavam contra o regime vigente avançaram resultando no fim do regime, na independência da Eritreia e na criação de um governo provisório que, mais tarde, em 1995, se tornou uma república democrática. Porém, entre 1998 e 2000, a Etiópia e a Eritreia entraram em um novo confronto por conta das fronteiras no norte do país. O acordo que encerrou o conflito foi não foi cumprido causando um impasse diplomático entre os dois países. O impasse teve um fim somente em 2018, quando o primeiro-ministro Abiy Ahmed propôs um fim da luta territorial desistindo da reivindicação de algumas regiões fronteiriças e, por esse motivo, ganhou um prêmio Nobel da paz em 2019.
Porém, apesar da resolução desse impasse, o país já enfrentava uma grande instabilidade política desde a morte de Meles Zenawi (Primeiro-ministro que se manteve no poder por quase 20 anos) em 2012. A gestão seguinte, onde o primeiro ministro era Hailemariam Desalegn se estendeu até 2018 quando o mesmo renúncia do cargo, a gestão foi marcada por declarações de estados de emergência, falta de transparência, instabilidades política e frequentes protestos antigoverno concentrados nos estados de Oromia e Amhara que reivindicavam uma maior representação no governo e resultaram na prisão de centenas de civis.
Nesse cenário de divisão étnica e disputa por representação, Abiy Ahmed assume o cargo de primeiro-ministro, e dissolve a principal coalizão que era ligada a lideranças tigrinias, detinha a maior representação no parlamento e esteve à frente do cargo de primeiro ministro de 1995 a 2018, resultando em uma grande tensão política.
As tensões se agravaram mais ainda quando a eleição regional de 2020 foi adiada pelo governo central, lideranças tigrinías decidiram manter a eleição da região em desacordo com o governo que considerou o resultado ilegítimo. Em novembro de 2022, o governo acusou a Frente Popular de Libertação do Tigré de orquestrar ataques a bases militares federais no estado e ordenou a prisão de diversas lideranças do partido. Além disso, com o apoio das forças do país vizinho, a Eritreia - que por um tempo teve o envolvimento negado pelas duas partes - , e do estado de Amhara, o primeiro-ministro e ganhador do nobel da paz promoveu violentas incursões para retomar o controle das cidades que haviam sido tomadas pela Frente Popular de Libertação do Tigré. O processo eleitoral foi retomado em meio a uma guerra excluindo parte da população.

Tigrinios passam por tanque destruído.
As investidas bélicas de ambos os lados ocorrem com cada vez mais frequência, impactando diretamente na vida dos civis, que acabaram se tornando alvo de massacres, perseguição e violência étnica, sobretudo a população Tigrina. No dia 8 de abril de 2022, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch publicaram um relatório onde denunciam a promoção de uma limpeza étnica, crimes de guerra e contra a humanidade cometidos pelas autoridades da região.
Em março de 2022, ambos os lados declararam uma trégua humanitária. Porém, em agosto de 2022, essa "trégua" foi interrompida devido a um ataque no norte de Tigré e, possivelmente, como consequência do desvio do foco internacional para o conflito da Ucrânia. Em novembro de 2022, um acordo foi firmado, visando o desarmamento, restabelecimento da ordem e acesso facilitado aos suprimentos humanitários para a população civil. No entanto, o acordo é considerado frágil por alguns especialistas devido a questões como o envolvimento da Eritreia, o descumprimento de regras para a assinatura de acordos internacionais e, por fim, a responsabilização por conta dos graves crimes cometidos contra os direitos humanos. as consequências deste conflito ainda persistem na Etiópia. A região do Tigré vive uma das piores crises humanitárias do mundo, com a população sofrendo com a pobreza, falta de acesso à segurança alimentar, saúde precária, entre outros déficits de acesso a direitos básicos. Isso ocasionou um grande fluxo de pessoas que migraram buscando refúgio, em especial na fronteira com o Sudão, onde já se encontram, segundo dados da ACNUR, mais de 57 mil indivíduos de origem tigrina em situação de refúgio.