Guerras, Exílios e Vivências

Jovem iraquiano na cidade de Qayarah, nos arredores de Mosul, onde combatentes do estado islâmico incendiaram poços de petróleo.
IRAQUE - MOSSUL
Por Amira Al Dergham
Mosul, conhecida como a "Mãe das duas primaveras", antiga metrópole no norte do Iraque, tem sido palco de longos conflitos. No entanto, a forma como as notícias sobre essa região chegam ao mundo é inegavelmente influenciada pelo olhar hegemônico estadunidense, o que inevitavelmente resulta em uma narrativa tendenciosa e parcial, favorecendo o ponto de vista dos Estados Unidos.
As instabilidades que assolam o Iraque são frequentemente traçadas de volta à invasão liderada pelos Estados Unidos e Reino Unido em 2003, com a queda e execução do então presidente Saddam Hussein, do partido Baath. Esse acontecimento foi um marco crucial na história do país, mas a narrativa americana pode tender a simplificar os complexos fatores e motivações envolvidos.
A ação liderada pelos EUA foi justificada como uma tentativa de libertação do povo iraquiano, mas a abordagem real e suas consequências podem ser questionadas. O conflito resultou em um número alarmante de vítimas civis, com mais de 200.000 mortes desde a invasão até os dias atuais. Além disso, a imposição de um governo provisório liderado pelo diplomata americano Paul Bremer trouxe consigo políticas controversas, como o desmantelamento do exército iraquiano e a remoção de membros e simpatizantes do partido Baath. Essas ações resultaram em altos níveis de desemprego e marginalização de grande parte da população iraquiana, fatores cruciais que alimentaram os movimentos insurgentes e, posteriormente, deram origem ao Estado Islâmico.
Com mais de quinze anos de conflito e estagnação econômica no Iraque, mais de 8,5 milhões de iraquianos encontram-se com necessidades humanitárias. Desde 2004, o prolongado conflito no país levou ao deslocamento de mais de 5,8 milhões de pessoas. A reconstrução tem sido lenta devido à escassez de recursos. Além disso, enfrentam-se outros impiedosos desafios, como a remoção de explosivos deixados pelo Estado Isâmico e a necessidade de reconciliação social, da qual os Estados Unidos não planeja se infiltrar.
Mesmo em crise, no entanto, há esforços para restaurar a história e os monumentos, como os centros religiosos islâmicos e cristãos. Desde 2021, está em ação a reconstrução da mesquita al-Nuri. Ayoob Thanoon, renomado especialista cultural e embaixador da iniciativa Revive the Spirit of Mosul da Unesco, enfatiza a importância de restaurar meticulosamente os majestosos prédios históricos de Mosul. Essa empreitada é considerada um marco crucial para a cidade antiga. O projeto busca não apenas revitalizar os edifícios famosos e os locais de herança cultural, mas também fortalecer o sistema educacional, por meio da reparação das escolas. Apesar dos desafios políticos e de segurança contínuos, a cidade ainda encontra formas para combater a persistência da sombra do Estado Islâmico e do enraizamento involuntário ocidental. O povo de Mosul persiste.